Vaticano
Santa Sé: garantir vacinas a todos é uma questão de justiça
Documento conjunto da Comissão Vaticana Covid-19 e da Pontifícia Academia para a Vida: é uma responsabilidade moral aceitar a vacina não só para a saúde individual, mas também para a saúde pública.
As vacinas foram desenvolvidas como um bem público e devem ser fornecidas a todos de maneira justa e equitativa, dando prioridade àqueles que mais necessitam. É o que recordam a Comissão Vaticana Covid-19 e a Pontifícia Academia para a Vida num documento conjunto, divulgado nesta terça-feira (29/12), destacando o papel essencial das vacinas para vencer a pandemia. Lembrando a recente mensagem de Natal do Papa, o texto exorta os líderes mundiais a resistirem à tentação de aderir a um “nacionalismo das vacinas” e os Estados e empresas a colaborar e não competir uns com os outros. As vacinas, para que “possam iluminar e trazer esperança ao mundo inteiro, devem estar à disposição de todos”, disse o Pontífice no dia 25 deste mês.
Justiça, solidariedade e inclusão são os principais critérios a serem seguidos a fim de enfrentar os desafios colocados por esta emergência planetária. “As empresas que podem ser avaliadas de maneira positiva”, disse o Santo Padre na audiência geral de 19 de agosto passado, “são aquelas que contribuem para a inclusão dos excluídos, a promoção dos menos favorecidos, ao bem comum e ao cuidado da criação”. A bússola imprescindível é o horizonte amplo ligado aos princípios da Doutrina Social da Igreja, “como a dignidade humana e a opção preferencial pelos pobres, a solidariedade e a subsidiariedade, o bem comum e a salvaguarda da casa comum, a justiça e o destino universal dos bens”.
Não é apenas o momento final da administração da vacina que precisa ser considerado. Todo seu “ciclo de vida” deve ser considerado. As primeiras etapas deste percurso dizem respeito à pesquisa e à produção. Uma questão, que é frequentemente levantada, diz respeito aos materiais biológicos utilizados no desenvolvimento de vacinas. “Das informações disponíveis”, lê-se no documento, “parece que apenas algumas das vacinas agora próximas à aprovação empregam em várias etapas do processo linhas celulares de fetos abortados voluntariamente há algumas décadas, enquanto outras fazem um uso limitado apenas a fases pontuais de testes de laboratório”. A Pontifícia Academia para a Vida voltou ao tema em duas notas, em 2005 e 2017, respectivamente. Na segunda, se excluiu que “há uma cooperação moralmente relevante entre aqueles que hoje usam essas vacinas e a prática do aborto voluntário”. Portanto, lê-se no documento, considera-se que podem ser aplicadas “todas as vacinas clinicamente recomendadas com a consciência segura de que o uso dessas vacinas não significa uma cooperação ao aborto voluntário”. Não obstante o compromisso comum de garantir que cada vacina não tenha referência para sua preparação a nenhum material de origem abortivo, se reitera a responsabilidade moral da vacinação a fim de não causar graves riscos à saúde das crianças e da população em geral”.
A questão da produção também está ligada à questão do patenteamento da vacina, não um recurso natural, mas “uma invenção produzida pelo engenho humano”. Dada sua função, sublinha o documento, é oportuno interpretar a vacina “como um bem ao qual todos têm acesso, sem discriminação, segundo o princípio do destino universal dos bens, também mencionado pelo Papa Francisco”. Como disse o Pontífice em sua mensagem de Natal, “não podemos deixar que o vírus do individualismo radical nos vença e nos torne indiferentes ao sofrimento de outros irmãos e irmãs, colocando as leis do mercado e das patentes de invenção acima das leis do amor e da saúde da humanidade”. “O único objetivo da exploração comercial”, lembra o documento da Comissão Vaticana Covid-19 e da Pontifícia Academia para a Vida, “não é eticamente aceitável no campo da medicina e da saúde. Os investimentos no campo médico devem encontrar seu significado mais profundo na solidariedade humana”. É necessário identificar “sistemas apropriados que favoreçam a transparência e a colaboração, e não o antagonismo e a competição”. É preciso superar toda forma de “nacionalismo vacinal” relacionada à tentativa dos diferentes Estados “de ter sua própria vacina em tempos mais rápidos”. A produção industrial da vacina poderia tornar-se “uma operação de colaboração entre Estados, empresas farmacêuticas e outras organizações”.
Após as fases experimentais, outra etapa crucial diz respeito à aprovação, sob condições de emergência, da vacina pelas Autoridades responsáveis “que permitem que ela seja colocada no mercado e utilizada em diferentes países”. “É necessário coordenar os procedimentos necessários para alcançar tal objetivo e promover a colaboração entre as autoridades reguladoras”. Com relação à administração, a Comissão Vaticana Covid-19 e a Pontifícia Academia para a Vida apoiam posições convergentes sobre as prioridades “a serem reservadas a categorias profissionais engajadas em serviços de interesse comum, em particular os profissionais de saúde, mas também em outras atividades que requerem contato com o público para serviços essenciais (como escolas, segurança pública), a grupos de indivíduos mais vulneráveis (como idosos e doentes com patologias particulares). Este critério, aponta o documento, não resolve todas as situações. “Resta, por exemplo, a área cinza de possíveis prioridades a serem estabelecidas dentro do mesmo grupo em risco”. A distribuição de vacinas também requer um série de instrumentos que permitam a “acessibilidade universal”. Um programa de distribuição precisa ser desenvolvido “que leve em conta a colaboração necessária para enfrentar os obstáculos logístico-organizacionais em áreas pouco acessíveis (cadeia de frio, transporte, agentes de saúde, uso de novas tecnologias, etc.)”. A Organização Mundial da Saúde continua sendo “um importante ponto de referência a ser fortalecido e melhorado para aqueles aspectos que estão se mostrando insuficientes e problemáticos”.
Sobre a responsabilidade moral de se submeter à vacinação, a Comissão Vaticana Covid-19 e a Pontifícia Academia para a Vida reiteram que esta questão envolve “uma relação entre saúde pessoal e saúde pública, mostrando sua estreita interdependência”. A recusa da vacina também pode representar um risco para outros. “Isto vale mesmo que, na ausência de alternativa, a motivação fosse evitar extrair benefícios dos êxitos de um aborto voluntário”. Lembra-se, entre outras coisas, que “ficar doente leva a um aumento de hospitalizações, resultando em uma sobrecarga para os sistemas de saúde, até um possível colapso, como está acontecendo em vários países durante esta pandemia, dificultando o acesso aos cuidados de saúde, mais uma vez às custas daqueles com menos recursos”.
Uma vacina segura, eficaz e disponível para todos, especialmente para os mais vulneráveis, e a um preço que permita uma distribuição equitativa. Estas são as prioridades para assegurar uma cura global que também “leve em conta e valorize” as situações locais: “Pretende-se desenvolver”, lê-se no documento, “recursos para auxiliar as Igrejas locais na preparação desta iniciativa e protocolos de tratamento para determinadas comunidades”. A Igreja se coloca a serviço da “cura do mundo”, usando suas vozes, espalhadas por todo o planeta, “para falar, exortar e ajudar a contribuir para garantir que vacinas e cuidados de qualidade sejam disponíveis para a nossa família global, especialmente para as pessoas vulneráveis”.
O prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, cardeal Peter Turkson, expressa sua gratidão “à Comunidade científica por desenvolver a vacina em tempo recorde”. “Agora cabe a nós”, acrescenta ele, “garantir que esteja disponível para todos, especialmente os mais vulneráveis. É uma questão de justiça”. “Devemos mostrar, de uma vez por todas, que somos uma única família humana”. O arcebispo Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, enfatiza que a pandemia evidenciou a condição de “interconexão que une a humanidade”. “Junto com a Comissão, estamos trabalhando com muitos parceiros para revelar as lições que a família humana pode aprender e desenvolver uma ética de risco e solidariedade para proteger os mais vulneráveis da sociedade”. “O que acaba de começar é uma fase crucial”, explica dom Bruno Marie Duffé, secretário do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral. “Estamos em um momento decisivo na pandemia da Covid-19 e temos a oportunidade de começar a definir o mundo que queremos ver depois da pandemia”. “A forma como as vacinas são distribuídas”, sublinha por fim o pe. Augusto Zampini, secretário adjunto do mesmo Dicastério, “é o primeiro passo que os líderes globais devem dar em seu compromisso com a equidade e a justiça como princípios para a construção de um mundo melhor pós-Covid”.
Fonte: vaticannews.va
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